Declarações de autoridades sobre operação no Rio revelam falta de coordenação entre governos estadual e federal no combate ao crime organizado
28/10/2025
(Foto: Reprodução) Especialistas ressaltam importância da integração das forças de segurança
Declarações de autoridades ao longo do dia e revelaram falta de coordenação entre governos estadual e federal no combate ao crime.
O Ministério da Justiça e Segurança Pública afirmou em nota que mantém atuação no Rio de Janeiro desde outubro de 2023, com a Força Nacional, e que tem atendido, prontamente, a todos os pedidos do governo do Rio de Janeiro para o emprego da Força Nacional. Apresentou uma lista de operações contra o crime organizado no estado, com atuação das polícias Federal e Rodoviária Federal; e afirmou que repassou mais de R$ 470 milhões para o estado nos últimos anos. Segundo o ministério, o Rio de Janeiro usou menos da metade do dinheiro.
No Ceará, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, negou que tenha recebido pedido do governo do Rio para a operação desta terça-feira (28):
“O combate à criminalidade, seja ela comum ou organizada, se faz com planejamento, com coordenação das forças. Enfim, não posso julgar porque não estou sentado na cadeira do governador. Não recebi nenhum pedido do governador do Rio de Janeiro, enquanto ministro da Justiça e Segurança Pública, para esta operação. Nem ontem, nem hoje. Absolutamente nada”.
Em janeiro e fevereiro, o Governo do Rio pediu ao Ministério da Defesa, apoio logístico da Marinha e do Exército com emprego de veículos blindados, para atuarem em intervenções policiais no Estado do Rio de Janeiro.
Em nota, nesta terça-feira (28), o Ministério da Defesa disse que, segundo a Advocacia-Geral da União, o pedido do governo do Rio só poderia ser atendido no contexto de uma GLO - Garantia da Lei e da Ordem -, o que demanda decreto presidencial. Esse instrumento autoriza o emprego das Forças Armadas em situações excepcionais, quando as forças policiais locais estão esgotadas. O presidente Lula, no entanto, já afirmou publicamente ser contra esse tipo de operação com blindados na rua.
Desde 1992, o Brasil já teve 23 decretos de Garantia da Lei e da Ordem focados em resolver a violência urbana. Desses, dez foram no estado ou em cidades do Rio de Janeiro. A operação de retomada do Morro do Alemão, em 2010, contou com um decreto presidencial de GLO, que permitiu a atuação do Exército e da Marinha.
No fim do dia, em entrevista ao vivo para o RJTV, o governador Cláudio Castro admitiu que não pediu ajuda para o Governo Federal para a realização da operação desta terça-feira (28). Castro disse que sabia que a ajuda federal dependeria da decretação da GLO, e que houve um mal-entendido sobre a declaração dele, mais cedo.
"Não, não houve, porque o que a gente considera que é o que a gente precisa deles para a operação seria a questão dos blindados. Essa era a necessidade, uma necessidade que nós já sabemos, pelas outras três experiências, que a gente não conta com a possibilidade de ajuda, em virtude de não haver possibilidade de GLO. Com certeza, houve uma leitura errada da minha fala."
Em abril, o governo federal apresentou um projeto com mudanças na lei da segurança pública. O texto centraliza e reforça a atuação federal na segurança pública. Torna constitucional o Sistema Único de Segurança Pública, que passaria a coordenar as ações entre União, estados e municípios. A PEC também dá mais poderes para as polícias Federal e Rodoviária Federal atuarem no combate aos crimes e no apoio a operações estaduais.
Cláudio Castro foi um dos governadores críticos à proposta, sob o argumento de defesa da autonomia dos estados. Desde julho, a proposta está na Comissão Especial da Câmara.
""Nós propusemos ao Congresso Nacional uma PEC da Segurança Pública, que visa exatamente a coordenação das forças federais com as forças estaduais e também com as forças municipais. O compartilhamento de inteligência, ações coordenadas, planejadas antecipadamente, é isso que nós estamos precisando. O crime organizado hoje é um fenômeno, ou é uma patologia extremamente preocupante. Não é mais um fenômeno só local, é nacional e até global", diz Lewandowski.
Em uma rede social, a ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, disse que os violentos episódios desta terça-feira ressaltam a urgência do debate e aprovação da PEC da Segurança Pública no Congresso:
“Ficou mais uma vez evidente a necessidade de articulação entre forças de segurança no combate ao crime organizado. Também ficou demonstrada a necessidade de que as ações sejam precedidas de operações de inteligência - inclusive inteligência financeira - para que obtenham sucesso”.
Semana passada, o governo federal apresentou outra proposta com foco no combate às facções criminosas, com o aumento da pena para integrantes e financiadores dessas organizações, e a classificação de organização criminosa como crime hediondo. Esse texto ainda está em análise pelo governo. Só depois será enviado ao Congresso.
Em nota, a Defensoria Pública da União repudiou o aumento da violência e da letalidade policial no Rio de Janeiro. E disse que as ações estatais de segurança pública não podem resultar em execuções sumárias, desaparecimentos ou violações de direitos humanos, sobretudo em comunidades historicamente marcadas por desigualdade, ausência de políticas sociais e exclusão institucional.
A Comissão de Direitos Humanos da OAB do Rio também repudiou:
“Embora se reconheça a necessidade da atuação firme, diligente e coordenada do Estado na preservação da ordem pública, não se pode admitir que tais operações se desenvolvam de forma a colocar em risco a vida, a integridade e as liberdades fundamentais da população”.
Especialistas em segurança pública reforçam que é necessário rever a atuação dos governos e das polícias no combate ao crime. Eles afirmam que o modelo atual falhou e apontam que a falta de integração das forças de segurança resulta em tragédias como a desta terça-feira (28).
“Nessas horas, quem fica refém dos confrontos são os policiais que foram baleados e os moradores que também foram baleados e mortos. Porque os governos acabam sempre imputando ao outro a responsabilidade da sua decisão. Na segurança pública, a gente precisa ter claro que é necessário superar as visões de mundos diferentes para garantir paz à população. É preciso colocar na mesma mesa todos os órgãos federais, todos os órgãos estaduais, eventualmente municipais, e com isso a gente estabelecer metas por rumos”, diz Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
“Eu acho que o erro, na verdade, é falta de projeto. Esse tipo de intervenção policial, ainda que a gente tenha que respeitar muito pelos policiais que ali estão arriscando a vida por nós, ainda que a gente tenha que respeitar pelo tempo de investigação, mas esse tipo de intervenção nos lembra mais do mesmo. Nós estamos há décadas vendo esse tipo de intervenção, onde para população mais humilde sempre falta um policiamento efetivo, como um direito humano, e sempre sobram operações policiais”, afirma Ricardo Balestreri, coordenador do Núcleo Urbanismo Social e Segurança Pública - Insper Cidades.
Ricardo Balestreri afirmou que não basta operação armada:
“O governo federal também tem que ajudar de uma maneira não bélica. Quando a gente começa a cometer loucuras, do tipo querer trazer uma intervenção das Forças Armadas, o Rio de Janeiro já passou por isso. O RJ já teve intervenção de força armada e não resolveu, porque a maneira de resolver é com urbanismo social e com polícia. Nós temos que aumentar efetivamente o policiamento. A polícia tem que entrar para permanecer. Não dá para ser uma polícia invasiva que sai depois. E aí os bandidos voltam, o domínio territorial continua na mão dos bandidos”.
Declarações de autoridades sobre operação no Rio revelam falta de coordenação entre governos estadual e federal no combate ao crime organizado
Reprodução/TV Globo
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