'Pastora dizia que nossa família era endemoniada', afirma prima de mulher morta por desnutrição após cárcere privado em Belém
05/07/2025
(Foto: Reprodução) Casal foi preso suspeito de submeter por anos mulher a maus-tratos físicos e psicológicos, que culminaram na morte da vítima. Segundo delegada, eles se aproveitavam de pessoas fragilizadas. Pastora e marido são presos suspeitos de maus-tratos e violência psicológica contra mulher
O casal preso no Pará por suspeita de submeter Flávia Cunha Costa, de 43 anos, a maus-tratos físicos e psicológicos que resultaram na morte da vítima deve passar por audiência de custódia do sábado (5). Segundo a polícia e a família de Flávia, a pastora Marleci Ferreira de Araújo e o marido dela, o líder religioso Ronnyson dos Santos Alcântara, falavam mal da família dela e a induziam a jejuns como forma de conseguir a "cura espiritual".
"Essa pastora começou a dizer 'tenho a solução para os teus problemas', começou a falar muitas coisas para a Flávia, dizer que ela não tinha que estar perto da família, que todos eram endemoniados, que ela devia se penalizar para que se purificasse por meio de jejuns", afirma Ana Paula Santos, prima de Flávia.
O casal levou Flávia para atendimento médico sem documentos. Apesar dos cuidados recebidos no hospital, Flávia não resistiu e morreu em junho. A equipe médica apontou desnutrição severa como causa. A família da vítima só soube do falecimento dias depois, pela Polícia Civil.
Enquanto Flávia estava com o casal, a família dela tentou intervir, segundo vizinhos do casal preso, mas não conseguia convencer a mulher a deixar o local. A dupla usava a religião como ferramenta de dominação e manteve Flávia em situação degradante por anos, privada de alimentação, cuidados e exposta à violência emocional constante.
"Tudo girava em torno de uma cura espiritual, um tratamento espiritual, que as vitimas já fragilizadas iam entrando, iam sendo manipuladas com o tempo", detalha a delegada Bruna Paolucci, titular da Delegacia de Atendimento à Mulher .
Em depoimento à polícia, o casal preso nesta sexta-feira (4) negou as acusações. A defesa deles informou à reportagem que ainda não vai se manifestar, pois não teve acesso aos autos.
Vítima foi identificada como Flávia Cunha Costa, de 43 anos.
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Igrejas e cura espiritual
A suspeita é que o casal submeteu outras pessoas a situações de sofrimento, com má alimentação e privações impostas como parte de um suposto processo de “purificação espiritual”.
As pessoas eram induzidas a vender seus bens e entregar os valores ao ministério liderado por Marceli. Ex-seguidores afirmam que a pastora e o marido viviam exclusivamente dos recursos obtidos por meio dos fiéis.
"Eles tiveram várias igrejas, eles usam dois nomes e vão manipulando a vitima, que provavelmente já está muito fragilizada, até que a pessoa vai se afastando de amigos, familiares, do trabalho e todo patrimônio é em prol dessa igreja", explica a delegada.
Marleci Ferreira de Araújo e Ronnyson dos Santos Alcântara
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Mesmo sem formação, Marleci atuava há mais de 11 anos como pastora, terapeuta cristã, sensitiva espiritual, psicanalista e sexóloga. Durante o período, ela reuniu seguidores para um "ministério" chamado de Torre do poder. Ela também utilizava um perfil falso nas redes sociais em que se apresentava com o nome de Marcelle Débora e publicava versículos bíblicos e mensagens de fé.
Sob o controle dela e do marido, os seguidores eram obrigados a obedecer regras rígidas para alcançar a “purificação” e, caso desagradassem ao casal, sofriam punições severas. Entre as medidas impostas pelo casal, estavam o consumo de alimentos estragados, a proibição de tomar banho, humilhações públicas e a exigência de repassar todos os bens ao casal.
Segundo os denunciantes, Marleci e Ronnyson afirmavam que o isolamento e o abandono eram necessários para alcançar um suposto estado de libertação espiritual.
Vítima morreu por desnutrição severa
De acordo com a Polícia Civil, os agentes receberam, no dia 15 de maio deste ano, uma denúncia sobre as condições em que a vítima vivia enquanto morava com o casal. Segundo a denúncia, ela era obrigada a realizar trabalhos domésticos e apresentava estado de desnutrição.
A polícia foi até a casa onde Flávia estava e ela apareceu visivelmente debilitada e com aspecto físico extremamente magro. Ela negou os fatos, alegando manter relação de amizade com o casal e de ser vítima de intolerância religiosa por parte da própria família.
Ainda de acordo com a polícia, diante da negação da mulher, uma inspeção foi realizada no cômodo e constatou condições precárias de moradia, além de indícios de possível alienação emocional - que é caracterizado pela incapacidade da pessoa expressar ou sentir emoções de forma adequada, gerando desconexão com os próprios sentimentos.
No dia 19 de junho, a Polícia Civil foi informada sobre a morte da vítima, causada por desnutrição grave, conforme apontado pelo laudo médico.
Segundo o boletim de atendimento hospitalar, a mulher foi levada pelo casal ao Pronto Socorro Municipal (PSM) do Guamá. Eles se apresentaram como “vizinhos” da vítima e a deixaram no local sem qualquer documentação.
Após a morte da mulher, a dupla fugiu do local ao ser informado que era necessário registro de ocorrência, por conta da suspeita de morte decorrente de maus-tratos, apontada pela médica responsável pelo atendimento. Diante do caso, eles foram presos preventivamente e são investigados pelos crimes de violência psicológica e maus-tratos com resultado morte.
Vídeo mostra prisão de pastora e marido em Belém